Coluna Nossa antena de época

Enviei esse texto, dando minha opinião em relação a matéria, segue para conhecimento:


Prisão especial: direito ou privilégio?


Gosto da maneira que a colunista Ruth de Aquino expõe suas idéias, na maioria das vezes baseadas nas reações da sociedade, como boa representante da classe média, ela consegue, boa parte das vezes, expor o sentimento dessa camada. Gosto da perspicácia com que aborda os temas, sua forma irônica, até certo ponto trivial, que não exige grande inteligência para entender. Gosto dos textos, corridos, sem abordagens truncadas. Gosto da Ruth, mesmo quando não concordo com ela, diferente de pessoas como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainard, ela consegue ser legal, charmosa em sua escrita, indignada na dose certa, sensata em várias situações.

No entanto, nas duas ultimas edições de época, o editorial foi sem vergonha na edição de 31 de março e nas reportagens do dia 06/04, é ai que entra minha fala em relação à Ruth. Mas vamos colocar algumas separações, para entender melhor a linha de raciocínio. Na revista de 31/03 uma das chamadas de capa, com todas as medidas que podem ser tomadas para não indignar a maioria e manter o público cativo da classe que representa, a chamada foi feita em um espaço pequeno, mas com relevância, no alto da página, para não assustar, o título era: “a onda de prender rico”. Nessa edição fica claro quem a revista defende e a quem serve. A chamada, indignada em sua essência, trazia a tona a prisão, novamente, da dona da Daslu, Eliane, ora colocada como uma pessoa sofredora e que tem câncer, que é desumano tal ato.

Falando um pouco sobre isso, ouvem-se histórias, reportagens e matérias sobre senhores, mulheres e processos injustos, pessoas que perdem suas vidas por serem presas sem motivos reais, torturas constantes, maus tratos na prisão, nas viaturas e no momento da abordagem. Ah, eu sei que estou falando de pobres, normalmente negros, que a revista não está nem aí para isso, mas é essa abordagem que quero fazer aqui. Até começarem a mexer nessa parcela da população, diga-se de passagem, que representa menos de 10 %, muito menos, não exista alarde, na verdade existe uma glorificação da justiça que extermina o que não é bem quisto pelas classes mais altas.

Nessa reportagem, a autora coloca a “coitada da Eliane” numa situação deplorável, não quero com isso dizer que ela devesse pagar mais que os outros, mas normalmente são só os outros, em torno de 50%, que pagam pelos seus erros sem lhe serem dadas as chance de defesa digna. Mau trato, discriminação, tortura e desrespeito sempre estão presentes nas abordagens ao que tem pouca condição de se defenderem. Mas quando a polícia saca suas algemas para alguém que tem poder, corrompe a tudo e a todos ao seu redor, até a mais alta corte do país acorda de madrugada para socorrer esse cidadão. Se o respeito aos direitos humanos fosse uma verdade, nem a Eliane, nem Dantas, nem o favelado iria passar por vexames, mas a defesa dos direitos do cidadão só aparece na mídia quando seus mandantes são afetados. A polícia é usada como capacho e cães de guarda dos ricos, o judiciário é intocável por conta das facilidades que cria para a mídia, pelo rabo preso, por suas vantagens oferecidas a quem tem dinheiro.

Voltando a colaboração da Ruth nessa celeuma, na revista do dia 06/04, ela entra com uma coluna especialmente dedicada a defesa dos direitos humanos da classe média. Com ironia ela coloca em sua primeira frase: “a prisão especial pode acabar no Brasil. Pessoas com curso superior, autoridades e políticos terão que ir para a prisão comum com a galera”. Complementa, “que avanço. Próprio de uma democracia. Vamos respeitar a constituição. Todos os iguais perante a lei, sem distinção. Todos terão acesso, portanto, às condições indignas e aberrantes das prisões comuns brasileiras, à promiscuidade, à sujeira, ao risco de doenças, à falta de luz e de ar. É motivo para comemorar?”. Só queria saber onde estavam os editores da revista todas as vezes que os direitos humanos são desrespeitados, todos os dias, várias vezes por dia, com as pessoas que não sabem ou não deixam clamarem por eles?

E a colunista continua em sua defesa elaborada dos direitos dos que têm mais direitos: “a massa de justiceiros ficou eufórica. É isso aí. Vamos botar essa gente branca de olhos azuis no xilindró. Choque de realidade neles”, citando os deslizes do presidente como se fossem deslizes da maioria, colocando quem luta por igualdade numa posição de justiceiros, como se pedir justiça para os que não tem condições de pagar as propinas e sua própria defesa, fosse um erro. Mas a repórter incorre em uma dupla e errônea abordagem, quando fala de injustiça e propunha uma discussão pequena e vil, com claros objetivos de proteção, pois a mesma não vai a fundo nessa discussão cotidiana, dos prisioneiros que ela deve ter visto nos filmes, reportagens e documentários, como os que cita no seu texto. Ela também não quer ver que o choque de realidade não existe nas classes menos abastadas, pois essa é a realidade deles, fiquei impressionado com a colocação de que isso é um choque de realidade pros “brancos de olhos azuis”. Mas é essa a realidade, para os que vivem sempre buscando a sobrevivência, ser parado pela polícia e ainda levar tapas na cara, gritos e humilhações. Na prisão, tortura, maus tratos e ainda ter que se proteger, mesmo que não tenha cometido crime, dos criminosos a quem são expostos. Ela se diz chocada com certas noções de justiça, eu fico chocado com a sua noção de justiça, que chega ao desprezo pela vida, já que parece que vida não está alem da metade de cima da pirâmide.

Mas é interessante como a informação chegou fácil para ela, complementa: “o sistema carcerário no Brasil, excetuando um ou outro presídio-modelo, é uma catástrofe”, e segue “a superlotação é, por si, uma violação dos direitos humanos: são 446 mil detentos espremidos em 290 mil vagas. Repetindo, faltam 156 mil vagas nos presídios. Não há, portanto, espaço físico, sem falar na falta de colchão, toalha e escova de dente. Ou na falta de banho, comida e sol. Ou na falta de vergonha, que leva à corrupção e à violência”. Pois é, nesse contexto colocado pela jornalista, parece que ela não via ou sabia dessa situação, mas agora é perigoso que os filhos da elite, mesmo tendo diplomas, estejam próximos da realidade, criada com a ajuda da exploração, da exceção, da exclusão, perpetradas pela maioria dos “brancos de olhos azuis” já que o acesso a riqueza e a alta renda não é fácil aos pobres e negros. É uma injustiça colocar um garoto do Morumbi dentro de uma cela com garotos e bandidos da zona leste, zona sul e elementos de alta periculosidade, mas não o é quando colocamos os filhos da favela e das periferias que não tiveram condições de cursarem um curso superior? Não é indigno saber que estamos colocando essas crianças no colo do crime organizado e mesmo do crime desorganizado?

Um dado interessante, que a Ruth descobriu nesse momento de sua vida, que é público e notório aos que lutam por uma sociedade mais igual ou para quem defende realmente os direitos humanos, é que 43% da população carcerária do Brasil está esperando julgamento, ou seja, estão presos em relativa ilegalidade, existem os que, como ela mesma cita, estão presos por esquecimento, como se a vida humana fosse um lixo, abaixo da linha da pobreza. Então, talvez valha a pena pesquisar um pouco mais, para ver que seu olhar está ainda na superficialidade, pois as injustiças são muito maiores do que essas citadas, são mais profundas do que você imagina. Não vi uma crítica ao judiciário pernicioso, inchado, cheio de regalias e danoso que permite isso, mas esse mesmo judiciário é capaz de sair de seu sono na madrugada para se proteger e proteger a quem lhe paga.

Parece que os editores e a Ruth tem trocado de canal ou virado a página sempre que as desigualdades e injustiças são mostradas ou aparecem à sua frente, talvez com a igualdade implantada com essa revogação da prisão especial, os que detem o poder comecem a sentir na pele que é necessário uma outra estratégia social, que não é possível milhões viverem e morrerem sem um mínimo de condições dignas enquanto uns pouquíssimos quando são pegos em crimes tem o beneficio de irem para celas individuais e com comida do melhor tipo. É interessante olhar para um fato, o caso do assalto ao Luciano Huck, nos dias que se seguiram a comoção que a mídia tentou inserir na sociedade chegou a ser ridícula, mas não foi porque alguém foi assaltado, foi porque a vitima era um representante da elite, o descaso com a maioria se mostrou tão grande e visível até no atendimento preferencial dado ao rapaz, o delegado foi a casa dele tomar seu depoimento, quando a maioria vai a delegacia, não importa se é um parente de alguém que cometeu um crime ou se é a mãe de alguém que foi morto, de um garoto que levou um tiro de bandidos ou de policiais, são tratados como se fossem nada, esperam horas para terem uma informação, para fazerem um boletim de ocorrência. Mas isso não é levantando pela revista. Porque essa parte da sociedade é à parte das exceções, da exclusão e merecedora do descaso social e político.

Ruth demonstra seu partidarismo nas colocações retóricas e manipuladoras a seguir: “ para quem defende ardorosamente o fim da prisão especial no Brasil, é bom conhecer o que é “prisão comum” - para quando seu filho com diploma for detido como suspeito em algum delito. Comum deveria significar “normal”. Sem mordomias, mas com dignidade”. Então quem é pobre não precisa ser defendido da prisão comum, so agora que temos de tomar cuidado para que os filhos da elite, quando delituosos, não sejam presos e colocados ao lado dos filhos da pobreza, muitas vezes colocados la por serem negros? Não é mais interessante chamar os pais para ensinarem seus filhos a respeitarem a tudo e a todos e serem cidadãos de bem, evitando assim que eles incorram em delito? Fica claro que essa colocação visa os filhos de pais com Ferraris, que jogam esses carros em postes em alta velocidade e o pai corre de madrugada para tirá-lo da delegacia, esses garotos nem sequer experimentam chegar aos corredores das celas, os delegados e policiais os protegem em suas salas com sofás e cafezinho. Não é o mesmo tratamento dado a todos. Comum deveria significar comum, onde todos os crimes são cobrados, já que não querem fazer de outra forma. Comum também deveria ser equivalente a igual para todos, mas o comum sempre foi para quem não pode pagar, por isso o governo esconde dados da segurança, concede privilégios ao judiciário ineficiente e ineficaz, para não ter que pagar também pelos seus erros.

Como Ruth, os pais de classe média deveriam sim conhecer as prisões comuns, assim poderiam falar a seus filhos que ser desonesto não é bom, que cometer crimes não é saudável e que se o fizerem irão para a cadeia como os menininhos favelados e pobres. A colunista ainda faz uma colocação retórica diminuindo assim ainda mais o peso da discussão e levando para a sua defesa tendenciosa do tema: “o problema é que, ao nivelar por baixo, o país estende a toda a população um tratamento carcerário desumano. Joga todos na vala comum da degradação”. Aí e importante pegar dados contraditórios pela ideologia usada nesse comentário, que a própria autora expõe, 446 mil pessoas estão nesse nivelamento por baixo, que, pelo que entendi, é o nivelamento onde o miserável é o por baixo, então quando se fala de uns poucos riquinhos com a possibilidade de visitar essas celas, o sistema carcerário se torna degradante?

Degradante é só para os de cima, pois não tem uma reportagem sobre excesso nas prisões que usam essa palavra, agora, quando um irresponsável entrar num posto de gasolina em um carro de 70 mil reais e matar um trabalhador, vai conhecer a degradação oferecida ao que, passando fome, roubou num mercado uma margarina ou pães. Vai ser mais fácil nivelar a igualdade nesse momento, quiçá poderemos vivenciar em uma década ou menos a possibilidade de uma sociedade mais justa, com um judiciário que realmente trabalhe para isso e com menos regalias no setor publico, bem como saber que se meu filho for preso por algum delito, ele vai pagar, mas justamente, como todos os que cometem crimes.

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