Endireitização da Sociedade

Com esse neologismo quero começar a uma abordagem crítica, uma visão pessoal, mas fruto de observações nos últimos anos, de como a sociedade tem se manifestado quando é colocada à prova e quando é necessário tomar alguma atitude para coibir abusos ou até mesmo para cobrar do setor público ou privado seus direitos.

Olhando para a série de manifestações de descaso por parte dos representantes eleitos, empresas, agências e um sem número de organizações criadas para usurpar do cidadão os seus direitos e seu dinheiro, vemos o quanto a sociedade tornou-se desencantada, frustrada e acomodada. Essas características são fundamentais numa sociedade em que a direita política e o capital a quem serve, fazem o que querem e o que bem entendem, utilizando construções ideológicas que manipulam o ser humano e os leva cumprir com os planos traçados pelos de cima, sem se questionarem, sem se posicionarem ou pensarem se é isso que importa ou se é o que querem.

Nessa linha, observamos uma série de eventos que demonstram o quanto essa questão é presente no cotidiano, como, por exemplo, as eleições. Os pleitos são hoje dominados pelos marqueteiros e não por idéias e planos. Não são os melhores que vencem, são os que compram os melhores planos de marketing, a melhor psicologia de massa, as idéias mais inescrupulosas. Dessas artimanhas saem fórmulas de sugestionar as pessoas, os eleitores, que são simples números e não mais seres humanos com necessidades e anseios.

Um outro momento em que observamos essa passividade é na criação de leis e projetos que visam trazer para o setor privado lucros e resultados, não considerando o futuro do país, da cidade ou do mundo. As pessoas até notam que tem algo errado, mas não se pronunciam, não se mostram ou recorrem a seus direitos, nem ao menos cobram a quem elegeu uma postura digna.

As pessoas seguem como gado em matadouros ou sardinhas enlatadas, mortas em suas reações, medrosas e sem vontade de mudar. Somos guiados pela mão dos que estão no poder, somos levados para funis nos trens, ônibus, metrôs e nas ruas. Somos como bois, gado, encurralados e obrigados a baixar a cabeça a tudo, como se fossemos realmente indignos de uma vida digna e decente, de respeito pelo que somos e pelo que pagamos. Vemos isso em várias situações diárias, quando nos empurram para dentro de um ônibus lotado, um trem lotado ou um metrô lotado estão só confirmando o que já tinham planejado, nos colocar em posição de submissão, subjugar nossas ações e matar nossas atitudes. Esses eventos citados são só a confirmação que não somos mais do que a mão de obra mantida pelo Estado para ser usada no caso de necessidade da máquina do capital, em outras palavras, somos só uma peça, descartável, diga-se de passagem, da grande máquina se fazer dividendos.

Mas uma proposição dessas realmente é uma questão de endireitização da sociedade? Respondo que sim, pois a sociedade não reage, algumas partes da pirâmide, por não acharem necessário, estão numa situação até certo ponto cômoda, a parte mais afetada não quer saber de reação, porquanto o conformismo e o desânimo tenham tomado conta de seus interesses, “o melhor é deixar como está”, “pois vai ser sempre assim, sempre foi assim” e “não temos força para mudar o que aí está”. Outro fato elucidativo é perceber o cidadão como um conivente, cúmplice em sua inércia e partidário dos erros e crimes praticados contra ele mesmo. Ouvimos as pessoas dizerem, “se eu chegasse ao poder também, faria como eles fazem, enriqueceria rapidamente” ou algo que o valha. Esse pensamento é claramente inserido pela direita, aqui estamos indo um pouco mais longe na definição de direita, entra tanto a política como o setor privado que corrompe na busca de fazer valer a visão de quanto menos reação melhor.

Engana-se quem pensa em direita somente como grupos dentro dos palácios do Estado. Estão em toda parte, corrompem o pensamento, as convicções e a vontade das pessoas que lhe rodeiam, visam somente proveito próprio, extorquem o erário e o tesouro como se fosse a mais natural das ações. A direita da qual falamos não é outra senão a situação, quem está e esteve sempre no poder, quem não abandona as tetas do Estado. São pessoas, grupos de empresários e bajuladores, que sobrevivem desde os tempos dos militares usando das mesmas artimanhas.

Uma visão imposta por essa minoria corrompe a maioria, toma do cidadão comum e colocam nas contas dos poderosos, aviltam nossa capacidade de pensar, desconstroe nossa história, nossa identidade. Impõem padrões segregacionistas, racistas ou higienistas, que são seguidos, cegamente, pelos que não tem a verdadeira noção da realidade que lhes é imposta.

Fazer essa visão ser aceita é fácil, em grandes centros utiliza-se da pérfida idéia da periferização, ou seja, levam os menos abastados para longe de seus locais de trabalho, colocando-os em bairros distantes, sem infra-estrutura, sem muitas possibilidades de crescimento, com isso as pessoas ficam tão cansadas da sua jornada diária que deixam de olhar os acontecimentos ao redor, alienados, não se dispõem a reagir ou não se sentem responsáveis pelos acontecimentos envolvendo seus representantes. Tornam-se animalizados, voltados somente para suas coisas, deixam de partilhar e participar em comunidade, percebem o mundo com olhar de indiferença e sentem-se como se não fizessem parte dessa realidade. Vivenciam os acontecimentos como se não estivessem na mesma dimensão. Essa postura, aproveitada de forma eficiente pelos dominantes, é a arma usada contra a sociedade.

As últimas demonstrações dessa situação de endireitização estão nas instituições, falidas, podres, velhas, antiquadas e pobres de ética e moral. Vai desde uma delegacia em um bairro ao congresso, judiciário e executivo. Do fiscal que deveria prezar pela decência na prestação dos serviços públicos ao policial que quer enriquecer rapidamente e se torna pior que o bandido a quem combate. Do empresário que, inescrupulosamente, suborna, aos governantes que aceitam ser marionetes nas mãos alguns poucos poderosos.

Vi Joaquim Barbosa dizer a Gilmar Mendes que ele está destruindo a justiça no país, não foi uma afronta, foi uma verdade, uma colocação de uma realidade sem precedentes naquela casa. São meses agüentando o presidente do supremo tratar a sociedade e os que se dispõem a tentar manter a justiça em pauta como idiotas, tomando decisões pessoais, jocosas e irresponsáveis. O ministro negro teve a coragem que todos deveríamos ter, disse o que a maioria da sociedade gostaria de dizer, mostrou ao picareta dirigente desse poder, que não é tão simples como ele quer fazer parecer. Ao citar os jagunços do ministro Gilmar, Barbosa teve a coragem de um Zumbi, a força de um malê e a garra de uma raça que não tem medo, apesar das tentativas de mantê-la sempre dominada.

Joaquim Barbosa não é um desqualificado, como tentam em vários momentos fazer parecer alguns dos ministros daquele antro, ao contrário, possivelmente é a figura que pode dizer-se ética, moralmente respaldado pela sua visão e postura. Gilmar, ao contrário, tem sua vida manchada com histórias e matérias sobre sua falta de moral e integridade. Por ocasião de sua eleição para presidente do STF, Dalmo Dallari, renomado defensor da democracia e dos direitos humanos, disse:
«Se essa indicação (de Gilmar Mendes) vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. (...) o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.[5]»
(DALLARI, Dalmo de Abreu)


Para chegar onde se encontra o mandante do STF contou com a ajuda dos tucanos, mostrando aí a real intenção de ter alguém com sua índole em um cargo para beneficiar sempre os interesses da Direita. Tanto que pouco antes de assumir a presidência ele já pedia o arquivamento de processos de improbidade administrativa contra os ex-ministros do governo FHC, José Serra e Pedro Malan. Não é de se admirar que esse ultraje às leis só poderia ter vindo de uma caricatura bestificada como esse cidadão.
Nos últimos tempos ele tem postulado como sua missão mais sombria, denegrir movimentos sociais e causas que ele não gosta. Sai da sua pena as ordens judiciais voltadas à prisão e perseguição de lideres de movimentos e pessoas ligadas a esses. Após as bizarrices desse senhor, no caso Daniel Dantas, ainda tem muitas outras situações incômodas relacionadas a suas ações, como o caso dos acusados de emitir habilitações falsas em Ferraz de Vasconcelos, que tiveram suas prisões revogadas por hábeas corpus emitidos pelo dirigente do supremo.

No setor privado não é diferente, vemos escândalos envolvendo Skaf’s, e a própria Fiesp, Constantino’s, Camargo Correa’s e tantos outros envolvidos em corrupção e maracutaias. Usineiros sendo chamados de heróis por um presidente que deveria cuidar dos que trabalham em semi-escravidão para esses senhores. Entregam nosso potencial e rebaixam nossos direitos a vontades de Agnelli’s, fomos jogados nas mãos de banqueiros e especuladores que não querem saber do bem estar coletivo, coletividade para essas pessoas é baseada nos que os rodeiam e em seus pares.

Agora presenciamos atitudes mais bizarras, a falta de separação entre o público e o privado chega a tal ponto que ora vemos bairros e setores de cidades sendo entregues a empresas. Hoje o prefeito Kassab resolveu que vai ceder o direito de desapropriar a iniciativa privada. Com isso o Estado, já mínimo em suas funções, mas inchados em número de apadrinhados, torna-se cada vez menos presente em sua principal função.

Com essas atitudes e mais um sem número de outras que vemos na mídia, como o congresso submisso, os desmandos, os descasos, os desvios e as discrepâncias, mesmo assim não reagimos, não vamos às ruas reclamar ou exigir a saída dos que não estão aptos e moralmente respaldados a exercer um cargo público.

É nesse contexto que encontramos a sociedade brasileira, sem viço, sem vontade, sem brio, subjugada sob os mandos de inescrupulosos e de grupos oligárquicos. Essa direita que desmonta com propaganda e mentiras, falácias e chavões, as conquistas da sociedade, é fingida ao falar para as câmeras e para o público, mas são nefastos como urubus quando estão entre si. Mantemos Sarneys e Temers na política, Barros Munhoz e outros que sugam o erário ao máximo. Colocamos políticos de partidos como os que aí estão, mais qualificados como marginais do que como representantes de uma sociedade séria. Mas é assim que a direita sobrevive, sem capacidade de perceber as necessidades do país, lesam a pátria como se não tivessem consciência e querem mais e mais poder.

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