O sapo escaldado

Há algum tempo tenho observado como a manipulação imposta pela ideologia dominante tem sido perversa. Uma constatação feita é a de que somos ludibriados diariamente, paulatinamente, bombardeados com idéias não pertencentes à maioria, mas inseridas no imaginário e na comunicação com uma eficiência e eficácia que não é possível questionar.

Para termos uma idéia clara sobre a proposição acima, vamos usar uma historia que, segundo contam, foi uma experiência feita para avaliar a reação de alguns anfíbios em situações adversas:

Foram utilizados sapos nessa experiência, que visava levantar dados sobre suas reações, então utilizaram duas panelas, uma com água fervente e uma outra em que ia aumentando a temperatura gradativamente. Constatou-se que ao jogar o sapo dentro de uma panela de água fervente, o anfíbio saltava rapidamente para fora da água ou se debatia com tal violência que espalhava água e derrubava a tampa da panela tal força empregava.

Em uma segunda etapa, colocavam o sapo em uma panela com água morna, iam subindo a temperatura lentamente a ponto de o sapo não perceber essa mudança. Os anfíbios têm um mecanismo de adequação ao clima que permite que eles adaptem-se com mais rapidez às mudanças climáticas, no entanto, esse mecanismo faz com que ele não se preocupe com as mudanças iminentes e constantes. No final, o sapo é cozido vivo sem se dar conta disso.

Vejo essa historia no dia a dia, nos movimentos, sindicatos e na sociedade em geral. Somos sapos, sem a menor vergonha disso, vivemos sendo escaldados o tempo todo, ludibriados pela institucionalidade, pelo poder, pela mídia, pela ideologia dominante, pelos grupos e por seus lideres. Somos sapos, incapazes de reagir quando nos tiram os nossos direitos dizendo que é para o bem de todos. Somos sapos, vivendo de migalhas oferecidas por quem tem nas mãos a condução da sociedade ou da política.

Estamos todo o tempo esperando por lideres que nos levem a terra prometida, esquecemos que pouquíssimos são os lideres que não se deixam cooptar ou não se vendem. Esquecemos que somos a maioria, para a qual os lideres deveriam trabalhar. Esquecemos o nosso poder que é fortalecido somente pela nossa união, não temos mais solidariedade que nos permitia nos juntarmos e fazer as coisas mudarem, nos deixamos levar pela retórica usada para a manipulação e para o mal.

Quando nos agridem diretamente, com um golpe forte, fazemos como o sapo na água quente, falamos, reclamamos, esperneamos, mas nos deixamos novamente sermos enganados por palavras e falsas atitudes. Perdemos a capacidade de reação, oferecemos aos poderosos nossa rédea de bom grado, somos sapos, porém, conduzidos como gado.

Os capitalistas perceberam essa facilidade, notaram que se nos colocarem em banho Maria, vamos nos aquietar, deixar de reagir enquanto eles nos pilham, nos exploram e nos oferecem um futuro iníquo, sem esperança e planejado para o bem de uma minoria. Com essa característica das classes mais baixas fica fácil conseguir manterem seus planos nos trilhos. Os movimentos sociais também foram por esse caminho, os sindicatos peleguizados desde a subida de Getulio tornaram-se fantoches nas mãos de oportunistas e reféns de jogos internos de poder. Nesse ambiente, movimentos independentes não tem muita vez, pois normalmente são sobrepujados pela máquina que investe grandes quantias para calar a boca dos que se organizam, poucos são os que não entram nesse barco e não bebem dessa fonte.

Os militantes que não se deixam levar pela falsa glória oferecida pelo poder e pelos poderosos afastam-se da luta, desanimados, decepcionados e frustrados. Conversar com os que ficam mostra o quanto a ideologia se entranha em seus pensamentos e ações, dificilmente se ouvirá uma discordância, quando existem são jogadas embaixo de tapetes da imoralidade e da falta de ética.

O quadro que se apresenta, claro e nítido, é o resultado de uma política sem moral, sem vergonha, sem respaldo ideológico; e baseado nessa falta de vinculo com os bons princípios, tem como único propósito tornar toda resistência mais fraca e sem um objetivo que se revele válido. Essa é uma outra questão constante em nosso cotidiano, a invalidação de nossas lutas, de nossas causas por meio do financiamento, conchavos e militantes sem firmeza em seus ideais.


Portanto, somos sapos, sempre, mas podemos ser sempre o sapo que não se deixa cozinhar sem luta, é hora de deixarmos de ser sapo escaldado e ir a luta, sem medo do enfrentamento à instituição falida que é o Estado e sem medo do debate com a sociedade manipulada e submissa.

Ou podemos deixar de ser sapos, em qualquer tempo e momento e nos tornarmos leões, lutando por nossa sobrevivência e por nossa visão de um mundo melhor.

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