POBRES ALUNOS, BRANCOS E POBRES...(Sandra Cavalcanti)

O texto abaixo é de uma ex deputada do Rio de Janeiro, que resolveu adotar uma posicao contra as cotas raciais e expoe suas opiniões como quer, sem autoridade para tal, a mando de uma politica neoliberal e sem fundo social.

Entre as lembranças de minha vida, destaco a alegria de lecionar Português e Literatura no Instituto de Educação, no Rio.
Começávamos nossa lida, pontualmente, às 7h15. Sala cheia, as alunas de blusa branca engomada, saia azul, cabelos arrumados.Eram jovens de todas as camadas. Filhas de profissionais liberais, de militares, de professores, de empresários, de modestíssimos comerciários e bancários.

Como a autora mesmo diz, eram filhos de pessoas de classe média ou classe média alta, não tinham nada de pobre, nesses termos, qualquer cor ou raça é relativamente respeitada. Filhas de militares normalmente são vistas, mesmo negras, com bons olhos e naquela época muito mais bem vistas.

Elas compunham um quadro muito equilibrado. Negras, mulatas, bem escuras ou claras, judias, filhas de libaneses e turcos, algumas com ascendência japonesa e várias nortistas com a inconfundível mistura de sangue indígena. As brancas também eram diferentes. Umas tinham ares lusos, outras pareciam italianas. Enfim, um pequeno Brasil em cada sala. Todas estavam ali por mérito!
Essa é uma questão de retórica usada sempre para convencer pessoas desavisadas, como se existisse realmente, em algum momento, esse respeito pelas raças com essa simplicidade que é colocado aqui.

O concurso para entrar no Instituto de Educação era famoso pelo rigor e pelo alto nível de exigências. Na verdade, era um concurso para a carreira de magistério do primeiro grau, com nomeação garantida ao fim dos sete anos.Nunca, jamais, em qualquer tempo, alguma delas teve esse direito, conseguido por mérito, contestado por conta da cor de sua pele! Essa estapafúrdia discriminação nunca passou pela cabeça de nenhum político, nem mesmo quando o País viveu os difíceis tempos do governo autoritário.

Com todas as exigências do magistério, com toda a dificuldade que se encontrava para entrar nesse concurso e mesmo sendo os negros e negras tão capazes quanto qualquer outra etnia, gostaria de saber, realmente, quantas na escola eram negros e pobres, pois até esse momento foram citadas pessoas de todas as raças e cor, mas em nenhum momento fala-se em um numero para dar um parâmetro da discrepância, disparidade e preconceito. É fácil fazer apologia a uma falsa ideologia não racial, que não existe, e continuar a subjugar, excluir e expurgar os negros e pobres para longe dos centros e da civilização. O interessante é perceber que a idéia de inclusão é sempre estapafúrdia quando se trata de pobres e negros, mas não se fala disso quando colocamos em pauta as universidades públicas, que já nasceram com essa questão das cotas inseridas em seu contexto de funcionamento, visto que lá só entra quem tem como bancar bons cursos ou vieram de escolas privadas de melhor nível educacional que as públicas, isso ninguém questiona, ninguém elenca nessas discussões, não é colocado às claras, por que um espaço que deveria ser usado realmente por alunos vindos de escolas do Estado e de classes menos favorecidas não estão lá em sua maioria? Ao contrário, estão lá os filhos da classe média, com pouquíssimas inserções de negros e pobres. Por que ninguém questiona esse tipo de ação? Essa cota instituída nas universidades públicas então é válida porque protege quem a elite política se comprometeu a defender?

Estes dias compareci aos festejos de uma de minhas turmas, numa linda missa na antiga Sé, já completamente restaurada e deslumbrante. Eram os 50 anos da formatura delas!Lá estavam as minhas normalistas, agora alegres senhoras, muitas vovós, algumas aposentadas, outras ainda não. Lá estavam elas, muito felizes. Lindas mulatas de olhos verdes. Brancas de cabelos pintados de louro. Negras elegantérrimas, esguias e belas. Judias com aquele ruivo típico. E as nortistas, com seu jeito de índias. Na minha opinião, as mais bem conservadas.Lá pelas tantas, a conversa recaiu sobre essa escandalosa mania de cotas raciais.Todas contra! Como experimentadas professoras, fizeram a análise certa. Estabelecer igualdade com base na cor da pele? A raiz do problema é bem outra. Onde é que já se viu isso? Se melhorassem de fato as condições de trabalho do ensino de primeiro e segundo graus na rede pública, ninguém estaria pleiteando esse absurdo.Uma das minhas alunas hoje é titular na Uerj. Outra é desembargadora. Várias são ainda diretoras de escola.Duas promotoras. As cores, muitas. As brancas não parecem arianas. Nem se pode dizer que todas as mulatas são negras. Afinal, o Brasil é assim. A nossa mestiçagem aconteceu. O País não tem dialetos, falamos todos a mesma língua. Não há repressão religiosa. A Constituição determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de nenhuma natureza! Portanto, é inconstitucional querer separar brasileiros pela cor da pele. Isso é racismo! E racismo é crime inafiançável e imprescritível.

Um dos erros comuns em relação aos argumentos dos opositores das cotas é colocar dados e fatos de forma equivocada, não existe em nenhum movimento negro ou defensores das cotas que falam de tornar as pessoas iguais por um conceito de cor de pele ou etnia, na verdade, a única coisa que se reivindica com as cotas são oportunidades iguais, claramente verificamos que os cotistas têm aproveitamento tão bom ou até melhor que os alunos que vieram de boas escolas e usaram sua juventude e seu tempo somente para estudar. É absurdo pedir opinião de algumas pessoas que sempre tiveram suas vidas pautadas em boas escolas, boa comida e pais que lhes dão tudo que querem. É fácil pegar uma professora, acostumada com sua vida em boas escolas, uma desembargadora que tem suas mordomias providenciadas com toda pompa com nossa contribuição, diretoras de escola que não têm coragem de reagir às imposições do governo, que apóiam o tipo de política pública de educação, pouco inteligente e excludente do nosso país, essas pessoas não querem saber de melhoria no ensino público, porque é lá que estão os filhos pobres da pátria e se esses filhos tiverem oportunidades vão competir de igual para igual com os filhos dessa elite que se acha dona de uma casa grande e mantêm longe e sob jugo os que não lhe são bem quistos.

Usar dessa falácia de que devemos lutar por um ensino melhor e mais estruturado é fácil, pois não existiu e não existe sequer uma intenção do Estado nesse sentido, não houve uma sinalização sequer em torno dessa melhoria, ao contrário, existe sim, a cada dia, uma política voltada a desagregação do professor, a desestruturação desse profissional, que não dispõe de tempo para estudar, preparar suas aulas e sequer corrigir as provas. É interessante atentarmos ao lado fantasioso do texto aqui escrito, pois coloca a sociedade como igualitária, como se a constituição realmente fosse respeitada em algum momento, como se não houvesse discriminação religiosa, principalmente nas doutrinas de matiz africanas. É inconstitucional a questão das cotas raciais, mas parece que não é inconstitucional a tortura, a falta de moradia, a falta de transporte, a falta de saúde publica, etc. algo só se torna inconstitucional nesse país quando afeta quem detêm o poderio econômico. Se for negro, formado ou de favela, não importa, a policia está lá para eles, exterminando a juventude mais pobre e de preferência com ascendência africana. Como tem ocorrido em todo o Brasil, nas favelas e nos confrontos que ocorrem cotidianamente, os mortos são os filhos negros e afro-descendentes, a população carcerária é composta por sua maioria negra e não branca. Aí ninguém fala de constitucionalidade, ninguém fala da discriminação nas empresas, ninguém lembra que todos somos iguais perante a lei. Além dessas proposições falaciosas, imorais e inconseqüentes, existe a clara intenção de usar a hegemonia econômica para manipular a própria classe ou raça, desprovida de condições financeiras e de formação que lhes permita ver o que realmente está acontecendo, pois é comum ver e ouvir negros repetindo esse discurso, cooptados não somente em termos ideológicos, mas subjugados por séculos de exploração e dominação. O que se pode esperar? Que usem essa mesma linha de raciocínio, dos opositores das cotas, isso é o que se pode esperar de um país que trata seus cidadãos como castas, usando a mesma estratégia que acabou com a auto estima de raça e mostra sempre, sem nenhum pudor, que a segregação existe, que há um apartheid no nosso país, mas que a hipocrisia e dissimulação não permite ser visto e trabalhado.
A auto estima dos negros, ou sua falta, é o maior empecilho para uma luta real e verdadeira em prol da questão de oportunidades iguais, repito, oportunidades iguais, isso não tem a ver com igualdade racial, porque somos geneticamente iguais, constituídos da mesma matéria, mas não somos respeitados ou vistos como iguais. O ser humano por natureza e formação tem medo de lidar com os que parecem diferentes. Para não sofrerem, usam de estratégias que vão da submissão ou segregação até o extermínio, coisas que vêem acontecendo em nosso país há tempos.
Nós, negros e afro descendentes, também achamos que o crime racial deveria ser imprescritível e inafiançável, deveríamos começar cobrando a prisão dos mandatários do Estado, da política sem escrúpulos que segrega, de gente e instituições que tem ações de cunho racial, como as universidades públicas, que não permitem que um grupo, que representa mais da metade da população, tenha a mesma representatividade lá dentro, um congresso com quase nenhum negro ou afro-descendente assumido, um supremo tribunal com uma representação da etnia quase nula, os corpos docentes das universidades, em paralelo ao corpo discente, igualmente deficitário em número e representação. Nós que defendemos o direito dos negros sabemos que no momento uma das formas de fazer isso é buscando políticas afirmativas, que foram implantadas em vários momentos em outros paises e não se criticou.
A luta é em busca um ensino de qualidade e garantido como gratuito, mesmo assim sabemos que as oportunidades profissionais são muito menores para os negros do que para os não negros, vide pesquisas do instituto Ethos, ufrj, etc. Então, falar de igualdade e inconstitucionalidade é hipocrisia pura e simples. É fácil pegar um tema controverso, pagar alguns pseudopesquisadores para falar pela elite que não quer se indispor, como Demetrio Magnolli e outros, mas difícil mesmo é olhar com senso crítico e boa vontade para resolver isso. Não tem mais como esperar que esse Estado submisso, sem foco e sem visão social faça sua parte, isso é função dele desde que existe, mas não foi feito nada, até agora, porque quem manda no país não quer uma nação de verdade, quer manter sob seus pés tanto os seus capachos políticos como toda a parcela da sociedade que não tem como ter mobilidade social.

Perguntei: qual é o problema, então?É simples, mas é difícil. A população pobre do País não está tendo governos capazes de diminuir a distância econômica entre ela e os mais ricos. Com isso se instala a desigualdade na hora da largada. Os mais ricos estudam em colégios particulares caros. Fazem cursinhos caros. Passam nos vestibulares para as universidades públicas e estudam de graça, isto é, à custa dos impostos pagos pelos brasileiros, ricos e pobres. Os mais pobres estudam em escolas públicas, sempre tratadas como investimentos secundários, mal instaladas, mal equipadas, malcuidadas, com magistério mal pago e sem estímulos.

É isso, a solução é simples, mas sem uma medida agora, urgente, teremos mais três gerações para o Estado, mesmo se tiver boa vontade, fazer algo que diminua essa diferença na educação. Agora, fica cômodo dizer que não é necessário usar de políticas afirmativas enquanto os mais abastados continuam a fazer seus filhos doutores e os de baixo sendo empregados e subempregados sempre.

Quem viveu no governo Carlos Lacerda se lembra ainda de como o magistério público do ensino básico era bem considerado, respeitado e remunerado.Hoje, com a cidade do Rio de Janeiro devastada após a administração de Leonel Brizola, com suas favelas e seus moradores entregues ao tráfico e à corrupção, e com a visão equivocada de que um sistema de ensino depende de prédios e de arquitetos, nunca a educação dos mais pobres caiu a um nível tão baixo. Achar que os únicos prejudicados por esta visão populista do processo educativo são os negros é uma farsa. Não é verdade.Todos os pobres são prejudicados: os brancos pobres, os negros pobres, os mulatos pobres, os judeus pobres, os índios pobres!

Esse é outro argumento vil, pois nesse momento é quando se elenca as desigualdades que até então se dispunha como não existentes, como se isso fosse um jogo de palavras usadas para enganar analfabetos funcionais e sem real fundamento, já que é crime contra a constituição a discriminação, aqui a falácia é usada como contraponto ao que se mostrava no inicio, como algo que não deveria acontecer, ou seja, já que não temos o preconceito instaurado no país, então não deveria ter pobres prejudicados. O problema que não se aborda aqui é que os negros são mais de 50% da população, mas é representado na maioria das situações por parcela ínfima, como no caso dos negros que são ocupantes de cargos de gerência nas médias e grandes empresas, há que se saber, são menos de 4%, nossos parlamentares ao em número tão reduzido que não se pode chamar der representação racial ou étnica o que temos no congresso ou em outras casas, em todas as instancias. As negras continuam a viver em cubículos em casas de patroas, sob uma dominação amistosa, cordial, sem demonstrar a relação real entre os dois, patrão e subjugado, de exploração extrema. Elas ocupam nos cargos de gerência menos de 0,5%, chega a ser humilhante, mas é o que ocorre. No entanto, quando as possibilidades podem se igualar nas próximas gerações, a elite mobiliza seus soldados com esses argumentos parcos e frágeis, pois não encontram respaldo na realidade.

Quem quiser sanar esta injustiça deve pensar na população pobre do País, não na cor da pele dos alunos.Tratem de investir de verdade no ensino público básico. Melhorar o nível do magistério. Retornar aos cursos normais. Acabar com essa história de exigir diploma de curso de Pedagogia para ensinar no primeiro grau. Pagar de forma justa aos professores, de acordo com o grau de dificuldades reais que eles têm de enfrentar para dar as suas aulas. Nada pode ser sovieticamente uniformizado. Não dá.Para aflição nossa, o projeto que o Senado vai discutir é uma barbaridade do ponto de vista constitucional, além de errar o alvo. Se desejam que os alunos pobres, de todos os matizes, disputem em condições de igualdade com os ricos, melhorem a qualidade do ensino público. Economizem os gastos em propaganda. Cortem as mordomias federais, as estaduais e as municipais. Impeçam a corrupção. Invistam nos professores e nas escolas públicas de ensino básico.O exemplo do esporte está aí: já viram algum jovem atleta, corredor, negro ou não, bem alimentado, bem treinado e bem qualificado, precisar que lhe dêem distâncias menores e coloquem a fita de chegada mais perto?É claro que não É na largada que se consagra a igualdade. Os pobres precisam de igualdade de condições na largada. Foi isso o que as minhas normalistas me disseram na festa dos seus 50 anos de magistério! Com elas, foi assim.


Esse último parágrafo consagra, sem nenhuma dúvida, a falta de objetividade do argumento usado nesse texto e nos discursos de oposição às cotas; se comparar à questão da cota com os esportes é um meio de tentar identificar conceitos para se opor a elas, então não existe um contra-senso nessa colocação?
Vejamos, se é na largada que se consagra a igualdade, não é essa a questão das cotas raciais? A idéia não é oferecer aos alunos negros uma oportunidade de pelo menos competir em termos de igualdade teórica e de habilidades? Se os alunos pobres fossem pelo menos tratados com igualdade, brancos e negros, dentro das escolas, já seria um bom passo, mas nem isso é verdade. Pesquisas demonstram que essa questão é tão comum e vista que até em berçários e creches se percebe essa discriminação, com bebês negros e crianças em idade de colo, que ficam muito menos nos colos das cuidadoras que as crianças brancas. Isso tem que ser visto, mostrado, debatido, não para arranjarmos culpados, mas para eliminarmos do nosso meio esse tipo de atitude.
Enfim, até agora não ouvimos ninguém falando contra os judeus, que teimam em mostrar ao mundo a questão do holocausto, de forma eficaz, eles fazem isso para não deixar acontecer novamente, querem preservar sua etnia, não medem meios para fazê-lo, visto que os filmes americanos mostram constantemente essa situação. As escolas alemãs continuam a falar dessa barbárie até hoje, sem trégua, para não acontecer mais. A diferença é que a submissão imposta ao negro não foi imposta ao judeu, o massacre imposto a sua auto estima não ocorreu com o judeu, por isso eles tendem a fazer valer suas vozes, sem muita contestação, sem quase nenhuma oposição. O vicio de olhar para o negro e vê-lo como inferior ainda faz parte da cultura do país e de boa parte do mundo.

Texto em vermelho é um rebate ao discurso da autora;

Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federalconstituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda, fundou e presidiu o BNH no governo Castelo Branco.

Comentários

Cecília Santos disse…
Respondam apenas a algumas perguntinhas em números OK?
Qual a nº de negros e de brancos em presídios?
Qual a nº de negros e de brancos desempregados?
Qual a nº de negros e de brancos em empregos menos remunerados?
Qual a nº de negros e de brancos envolvidos com drogas?
Qual a nº de negros e de brancos passando fome?
Qual a nº de negros e de brancos na mídia como modelos, atores, apresentadores...?
Qual a nº de negros e de brancos morando em favelas?
Qual a nº de negros e de brancos em escola particular?
Qual a nº de negros e de brancos em escola pública?
Qual a nº de negros e de brancos em faculdade Pública?
Qual a nº de negros e de brancos em faculdade particular?
Qual a nº de negros e de brancos com em todas as faixas de escolaridade?
Qual a nº de negros e de brancos en todas as faixas salariais?

Depos de respoder só essas questões (há muito mais), a conclusão é:
Negro é preguiçoso?
Negro é pouco inteligente?
Negro é feio?
Negro é impaciente?
Ou os negros devem ter paciência e esperar, como a autora sugere: "A raiz do problema é bem outra. Onde é que já se viu isso? Se melhorassem de fato as condições de trabalho do ensino de primeiro e segundo grau na rede pública, ninguém estaria pleiteando este absurdo."
Então vamos esperar até tudo isso acontecer...
Ou acham, ainda, que COTAS é um favor que os políticos bons estão dando de esmolas para os negros...
COTAS é luta de negros pela sobrevivência, e depois de conseguir, ainda tem que passar por pessoas que vivem em marte...