Recebi a seguinte mensagem com o cabeçalho conforme segue abaixo:

“REDAÇÃO QUE VENCEU CONCURSO DA UNESCO.

"Como Vencer a Pobreza e a desigualdade"
REDAÇÃO DE ESTUDANTE CARIOCA VENCE CONCURSO DA UNESCO COM 50.000 PARTICIPANTES”


Aí fiquei pensando, como pode um texto com tão baixo grau de criatividade ganhar um concurso dentre 50000 participantes?

Então, para fazer justiça, segue abaixo a mensagem, com algumas observações:

“Tema:'Como vencer a pobreza e a desigualdade'
Por Clarice Zeitel Vianna Silva
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro – RJ”


Não questiono que tenha validade a exposição de opinião, sempre defendi, baseado em um princípio citado por Voltaire – "posso não concordar com absolutamente nada do que diz, mas lutarei até a morte pelo seu direito de dizer" – mas para se ter um Prêmio que demonstra capacidade, não sei se tem validade nesse sentido.

O título é bem próprio de uma retórica pequena e mal estruturada, com o intuito de conduzir as pessoas a não perceberem o real propósito ou despropósito de tal texto:

“'PÁTRIA MADRASTA VIL'”
Um dos principais feitos de pessoas que escarnecem da inteligência dos demais é apontar temas como esse, onde se mistura pátria com política e nação com Estado, uma falta de competência que desmerece qualquer possível rebate.

Mas, com o intuito de esclarecer, vamos olhando o texto e falando sobre o mesmo.

“Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência. .. Exagero de escassez... Contraditórios? ? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.”


E começa com a utilização de palavras num jogo de impacto que faz os desavisados deixarem de olhar com coerência para o argumento, vejamos, olhando pelo lado do velho e bom português e da boa e velha lógica, como pode existir abundância do que não existe? A idéia é criar o impasse para que as pessoas estejam abertas para engolir o que vem a seguir, mas desde já, vemos a pobreza de conhecimento quando percebemos que se troca pátria ou nação pelo Estado e cidadãos, ou seja, quem não tem caráter? Isso só é possível ao cidadão; quem não tem solidariedade, outra possibilidade cabível somente ao cidadão, e a questão de responsabilidade é válida tanto para o cidadão quanto para o Estado. Essa confusão comum é usada para destruir a capacidade de reação das pessoas, colocando a nação como se fosse um lixo, uma tralha ou algo pelo qual não vale a pena lutar. Talvez a autora até tenha a revolta dentro de si, o incômodo que faz acontecer as mudanças, mas não tem condições de discernimento do próprio conteúdo. E contando com a ausência de coerência, esse tipo de texto é usado como uma arma para continuar a manter subjugado o cidadão indignado.

“O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.
Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil.', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil está mais para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira'. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.”

E vamos nessa lengalenga retórica até o fim do texto, acusando o país e não as autoridades, dissimulando em palavreado minimamente elaborado, toma a pátria como vilã. Poderia ser mais útil se fossem colocadas nas mãos de quem realmente é o culpado pelas mazelas e dissabores pelos quais passa o país. Parafraseando a garota, eu digo que és mãe e és gentil sim, nesse país de extensão continental, sem desertos, com água em abundância, não confundir com a inexistência do texto, não é uma madrasta vil, pois nesse território o que falta é justiça social, vergonha na cara, do cidadão e de quem ele coloca no poder. Não é o Brasil que destrói a possibilidade de futuro dos nossos jovens, são os políticos sem vergonha, são os que tem o poder do Estado nas mãos, são os empresários sem escrúpulos, é o apadrinhamento e jeitinho brasileiro no dia a dia. Já aqui fica claro que quem escreveu o texto não está levando a sério muita coisa, pois quem dá a formação, quem é o responsável por ela, tá na constituição inclusive, é o Estado, mas não vejo ninguém questionando a terceirização e nem a privatização da educação, nem mesmo questiona-se o sucateamento das funções públicas, por onde começa a entrega do patrimônio e dos serviços chaves do Estado;

“E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra... Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!”


Bom, primeiramente a abolição ocorreu a aproximadamente 120 anos, mas estamos falando da abolição de mentira, pensada pela Coroa para manter os donos de escravos numa boa, já que se sabe hoje, boa parte dos escravos libertos foram pagos pela Coroa. E mesmo assim não foi a pátria, foi o político da época, o ente a que chamamos de Estado, responsável legalmente por zelar pela igualdade e distribuição para a população. O que não se questiona é o fato da mesma lógica perversa de fazer política naquele momento, permeia os partidos e as eleições de hoje. Não foi a nação que fez também a inacabada abolição, não foi quem abandonou seu povo a mercê da fome e da miséria, foi o governo, esse mesmo que ninguém alude que deu terras aos imigrantes, garantiu ao já senhores de engenho e latifundiários terras do Estado que deveriam ser colocadas a disposição da população mais humilde. Trazendo essa relação para os dias de hoje, vimos o mesmo ocorrer com os donos de grandes espaços, ocupados por grilagem, ou sejam, grandes grileiros, que deveriam devolver essas terras às mãos do povo.
Outro equivoco corrente é deixar nas mãos de senhores locais seus votos, vendê-los por um pequeno valor, não buscar fazer valer sua voz-nada-ativa, só reclamar e esquecer que uma nação é o conjunto de pessoas que habitam em um território comum. Pouco se fala também dos conceitos estabelecidos na época da escravidão, onde olhavam os negros como animais e sem valor, diziam ate que esses não tinham alma, no entanto, hoje, não é tão diferente, e não vemos ninguém reclamando de coisas como discriminação, racismo e outras mazelas humanas. Temos até no site do governo uma clara aceitação do racismo instituído e institucionalizado(ver site do governo do estado de São Paulo, salariômetro), site esse pago com o dinheiro de todos e mais ainda dos negros e afro descendentes, pois, segundo estudos, são os mais pobres e conseqüentemente os que pagam mais impostos. No entanto, é essa mesma classe que se diz contra racismo, normalmente uma mentira contada para si, que também prega contra cotas, melhorias nos equipamentos do Estado e ainda professam a esperteza que leva a corrupção como algo a ser seguido.
Mudanças estruturais exigem participação popular, conscientização e levantes que levem novamente as pessoas as ruas, não adianta ficar numa cadeirinha em um apartamentozinho confortável vociferando palavras bonitas, como diria o capitão Nascimento, o crime do tráfico é bancado pelos que compram as drogas, quem fica em sua segurança numa área nobre e fazendo passeata, pura hipocrisia. Mudanças só ocorrem com pessoas que as exijam.

“A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.
Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)... Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?”


Os governantes só dão peixinhos de vez em quando porque existe os que não querem pescar, mas principalmente, por ser esse o jogo político que mantêm os currais eleitorais e votos comprados. E essa compra não se dá somente por meios monetários, são formas de comprar votos o uso da manipulação midiática, o jogo mentiroso travestido de ideologia, a entrega ideológica aos princípios da politicagem, o abandono das lutas e a criminalização dos que ainda se esforçam dando suas vidas por causas que deveriam ser encampadas por todos. Usar os chavões já batidos de que a classe alta não quer nada fazer não traz a tona a real causa dessa desigualdade, aliás, quem pensa que as classes do topo da pirâmide não se preocupam é tolo, preocupam-se sempre em manter o mesmo, as mudanças referidas nas suas colocações são as mudanças do mais do mesmo. Esses "cidadãos de bens" não tem preocupações com nada além do ter, sempre foi assim, quem tem poder para processar mudanças reais é a maioria, que sempre foi subestimada e submetida, os dominantes só colocam no poder quem mantêm suas estruturas. Não adianta falar para poucos, se a intenção de transformar existe, tem que ser compartilhada e aceita pela plebe, normalmente manipulada e escravizada por longas jornadas de trabalho seguidas de longas viagens de ida e volta ao trabalho em transporte público deplorável. Esses, são cada vez mais empurrados para a periferia, enquanto os senhores de sempre tomam as áreas mais próximas de estruturas básicas, expulsam dos centros quem não lhes agrada, reservam imóveis por décadas sem pagar impostos e o governo não toma atitudes.
Governo que não administra é constante em nosso país, mas é assim que agrada aos investidores, é assim que se proporciona a iniciativa privada o direito de tomar do Estado suas funções.

“Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos.
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como gente... Ou como bicho?”


Voltamos ao início onde o questionamento sobre quem é governo, Estado e nação elucidaria boa parte dos erros de argumento desse texto. Lógico que como seres humanos devemos lutar por todos, assim quando estivermos em termos de igualdade veremos que não tentarão nos roubar, porque a possibilidade de ter o mesmo que um tem é igual para todos, mas egoísmo e falta de escrúpulo é inerente ao tipo de sistema que vivenciamos, esse problema da pobreza talvez fosse resolvido com essa busca por justiça social. Os cidadãos nessa sociedade são os importantes, pois a maioria o governo sequer olha como cidadãos, e bicho é realmente uma visão que a classe dominante do país acha que os que estão na base da pirâmide são.

É bom quando temos o que dizer, mas sem lógica e argumentação séria não tem validade. É bom a autora questionar quando for fazer a defesa dos que ela hoje fala contra, a classe alta, se não vai abrir mão de toda essa retórica hoje usada para colocar sua possível indignação.

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