Amor condicional

Minha filha amar um garoto, pode, se ela amar uma garota, não pode;
Meu filho amar uma garota, tudo bem, amar um garoto, não pode;
Meu amigo pode ate´ namorar outro cara, mas beijá-lo em
público, não pode;
A menina do meu trabalho ter uma namorada, tudo bem, mas não
pode ir a um bar e beijar esta namorada.
Eu amo muito meu filho ou minha filha, mas não quero que ele ou ela
seja gay. E se ela ou ele quiser? Já não amamos do mesmo jeito?
É a nossa hipocrisia de todos os dias, mentimos para nós
mesmos, dizemos que respeitamos nossos amigos e aos outros e no fundo somente fingimos
aceitar. Dizemos que amamos ao próximo, mas somente se ele não for gay, lésbica, verde, amarelo, cabeludo, tatuado, negro, etc. Condicionamos o amor. Fazemos de nossa forma de amar a verdadeira. Roubamos
o significado real do amor.
Hipocrisia? Ah, mas eu tenho amigos gays, ou, compartilhe se
você tiver amigo negro e não se envergonha, ou algo banal assim, querendo
provar que somos melhores do que realmente somos. Querendo nos afastar de quem
realmente somos.
Preconceito, desrespeito não se combatem com tentativas de
aparentar não tê-los. Combate-se enfrentando estas deficiências com coragem de entender
a nós mesmos e às nossas dificuldades de sermos melhores ou mais humanos.
Respeito é amor, respeitar o outro em suas escolhas, opções
e condições é que realmente é amar. Mas optamos por dizer que amamos a quem é fácil,
quando é fácil. O preconceito se tornou uma atitude comum, que une grupos em
suas ideias de desrespeitar; une os preconceituosos que levam suas raivas e
melindres ao ponto da agressão; une os que não toleram que os outros tenham
seus deuses. Une quem não consegue aceitar que a outra doutrina ou ideias sejam
contrárias as suas e até mais lógicas.
E o amor? Ah, este nós aprenderemos quando acabarmos com nossos
contrários ou quando os convertermos a nossas ideias. Não preciso amar meu
filho se ele optar por uma vida diferente daquela que eu planejei, mas se ele
mudar e seguir o que acho certo eu o amarei. Precisamos desrespeitar os que querem estar com seus amados,
se forem do mesmo sexo, às vezes até quando eles são um casal dito “normal”, se
eles se beijarem em público.
Por não saber amar meus filhos e respeitar os outros, não quero
que os outros se beijem demasiado em minha frente e de meus filhos, não sei
explicar este tipo de amor. E meus filhos, querem saber sobre isso? Se querem,
vamos dar um jeito de dizer que não é certo, menino com menina, outra forma de
amar não é válida, não foi assim que aprendemos.
Deixamos de amar de verdade, para amar com nossa verdade. Passamos
a ensinar nossas crianças o que é certo
para nós, mas não paramos para pensar que elas vão ter suas vidas
adultas em outro momento ou época da sociedade. Defendemos as coisas que não nos
incomodam, e as que nos incomodam não falamos sobre elas ou dizemos que é
errado.
Vi um pai, algumas vezes sou radical, que chamo de “pai de
verdade”, como chamava as mães das crianças da AACD e APAE, porque o amor delas
não tem forma ou fronteiras, mas voltando ao pai, tem um filho travesti, ali no
centro, eu o vi acompanhando seu filho, negro, travesti, e outro travesti,
deviam ser amigos(as), mas ele estava junto, talvez pela dificuldade que o filho
estava passando, indo ao mercado. Outro dia, meses depois, estava novamente no
centro, vi o pai, preocupado, parecia ter marcado com o filho travesti e não o
estava encontrando, não amava a condição, amava o filho. Vi um pai, negro, corajoso,
capaz de amar, coisa que às vezes não temos, sendo pais de filhos que seguem
suas vidas como consideramos normal.
É, o centro de Sampa sempre me surpreende, o amor, os
desvios, os drogados, os pobres, os ricos, os que trabalham, os que roubam, os homossexuais, os
zumbis humanos, os mortos vivos, convivem no mesmo local, naquele pequeno
mundo. Mas o pai, ah, o pai, negro, do travesti, este vive como sua consciência
manda, não como os livros sagrados ensinam, alias, até alguns dos livros
sagrados pregam o amor sem condicionalidade, mas seus seguidores só veem o que
querem; o pai do travesti, negros, não vive o amor de mentira pregado em
templos para arrecadação de dinheiro, não tem medo de enfrentar o que outros
chamariam de vergonha para demonstrar
seu amor, simplesmente.
Às vezes ainda ouço amigos e pessoas no dia a dia falando,
ah, mas quero que meus filhos sejam diferentes, garanto que os filhos também pensam,
não quero que meus pais deixem de me amar se eu for diferente. É só nos
colocarmos no lugar do outro, assim nos sentiremos como eles se sentem em suas peles, “se quer saber como
o outro se sente, calce seus mocassins e ande por alguns quilômetros” já dizia
um proverbio apache. Precisamos ter nossas pernas cortadas para sentir como é difícil
para alguém em uma cadeira de rodas se sente? Precisamos estar na Etiópia para
sentir como aqueles seres humanos vivenciam a fome? Precisamos ter a capacidade
de olhar as pessoas como elas são, não com os
preconceitos, mas com olhos de humanos. Somente assim, os intolerantes passarão
a fazer parte de uma pequena parcela que não nos influenciará, conosco eles aprenderão
que a intolerância não leva a nada. E neste momento, ah, neste momento, seremos
somente humanos sem rótulos que nos distingam, como o pai negro do travesti.
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